30 de abril de 2010

Nem sempre a lápis (15)

«Olhe que a maré está a subir», alertou-me um paciente a mudar o isco das canas espetadas num baixio entre o rio e o avanço, discreto, das ondas. Dispensou-me o argumento de que pouco mais além iria, apercebi-me no regresso dos primeiros quinhentos metros, feitos com duas paragens para me sentar na areia e beber outros tantos goles de água; sem fumar. Caminhar pela praia, pelas dunas, exige uma tracção esquecida; sessões de fisioterapia mental. Desviei-me de um castelo com fosso e ponte, entregue ao assalto da babugem; por pouco não pisei um viveiro de ouriços-do-mar que não despertaram nem a cobiça nem a curiosidade destruidora de ninguém; picam, é preciso saber pegar-lhes para pô-los a secar e ficar com um caleidoscópio. Já antes, lamentei não ter levado a instamatic, quando vi o sapal vazio atrás do campo da bola; tufos sujos, outros ouriços recolhidos na lama debicada pelas aves migratórias. Entre os cinco ou seis exemplares de Livros do Brasil esquecidos na tabacaria, não é Ulisses que me dava jeito; era Gente de Dublin que me ajudasse a anotar Dublinesca na mesma casa. O carro-patrulha parou em frente da esplanada e – numa atitude de praia segura, como a escola – os agentes da GNR recostaram-se nos bancos com o Sol reflectido nas lentes espelhadas; não sei se ligaram o rádio. E é tudo, para além de ter molhado, literalmente, as botas.

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