17 de maio de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (10)

«FALSA EXPLICAÇÃO DOS MEUS CONTOS
Obrigado ou atraiçoado por mim mesmo a dizer como faço os meus contos, recorrerei a explicações exteriores a eles. Não são completamente naturais, no sentido de não intervir a consciência. Isso ser-me-ia antipático. Não são dominados por uma teoria da consciência. Isto ser-me-ia extremamente antipático. Preferiria dizer que essa intervenção é misteriosa. Os meus contos não têm estruturas lógicas. Apesar da vigilância constante e rigorosa da consciência, também ela me é desconhecida. Num dado momento, penso que num recanto de mim nascerá uma planta. Começo a espreitá-la acreditando que nesse recanto se produziu algo estranho, mas que poderia ter porvir artístico. Seria feliz se esta ideia não fracassasse de todo. No entanto, devo esperar um tempo ignorado: não sei como fazer germinar a planta, nem como favorecer, nem cuidar o seu crescimento; só pressinto ou desejo que tenha folhas de poesia; ou algo que se transforme em poesia quando olhada por certos olhos. Devo cuidar para que não ocupe muito espaço, que não pretenda ser bela ou intensa, mas que seja a planta que ela mesma esteja destinada a ser, e ajudá-la a que o seja. Ao mesmo tempo, ela crescerá de acordo com um contemplador a quem não fará muito caso se ele lhe quiser sugerir demasiadas intenções ou grandezas. Se é uma planta dona de si mesma terá uma poesia natural, desconhecida por ela mesma. Ela deve ser como uma pessoa que viverá não sabe quanto, com necessidades próprias, com um orgulho discreto, um pouco torpe e que pareça improvisado. Ela mesma não conhecerá as suas leis, embora profundamente as tenha e a consciência não as alcance. Não saberá o nível e a maneira com que a consciência intervirá, mas em última instância imporá a sua vontade. E ensinará a consciência a ser desinteressada. O mais seguro de tudo é que eu não sei como faço os meus contos, porque cada um deles tem a sua vida estranha e própria. Mas também sei que vivem a lutar com a consciência para evitar os estrangeiros que ela lhes recomenda.»
[Felisberto Hernández, Contos Reunidos; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro]

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