16 de maio de 2010

À mão de ler (21)

«Os tailandeses, depois de terem construído grandes auto-estradas que chegam até à sua margem de Mekong, alvitraram aos laocianos, de inúmeras maneiras, que bastaria uma ponte para lhes permitir inserirem-se na rede de estradas tailandesa e desse modo ter acesso directo ao porto de Banguecoque e a um ponto de fácil entrada para os turistas, portadores de dólares. Os laocianos, porém, não se deixaram convencer. “Não, obrigado. A ponte não nos faz falta”, responderam todas as vezes. “Queremos continuar a viver à nossa maneira.”
Infelizmente, até essa maneira está a dar as últimas. Não porque os laocianos tenham mudado de ideias de repente, mas porque hoje um país que se encontre na encruzilhada entre a modernização-destruição e um isolamento que conserve a sua identidade não tem, de facto, escolha. Os outros já escolheram por ele. Os homens de negócios, os banqueiros, os peritos das organizações internacionais, os funcionários da ONU e dos governos de meio mundo são actualmente profetas convictos do “desenvolvimento” a todo o custo; todos acreditam numa espécie de missão, em muitos aspectos semelhante à do general americano que no Vietname, depois de ter arrasado uma aldeia ocupada pelos vietcongues, disse, com o orgulho próprio de quem está convencido de ter realizado uma obra meritória: “Tivemos de a destruir, para salvá-la.”
A mesma coisa está a acontecer ao Laos. Para salvá-lo do subdesenvolvimento, os novos missionários do materialismo e do bem-estar económico estão a destruí-lo. O golpe mais duro foi dado pelos australianos. Convencido de estar a praticar uma boa acção, o governo de Camberra construiu precisamente, a título de oferta, uma ponte sobre o Mekong, que veio tirar ao Laos os seus últimos resquícios de virgindade. A desconfiança inata dos laocianos por tudo quanto é novo e moderno levou-os a chamar-lhe “A Ponte da Sida”.»
[Tiziano Terzani, Disse-me Um Adivinho; trad. Margarida Periquito, Tinta-da-China, Novembro de 2009]

1 comentário:

fallorca disse...

Bem-vinda, nesse preparo e com o lulu, ao meu modesto tugúrio (Woody Allen).
Pia fino, sim senhora; entretanto prepara-te para a ovelha negra uruguaia do Felisberto Hernández (Contos Reunidos) e espero que tenhas «Dentes de Leite», do Pisón.
Um quisse (marca de rebulados embrulhados em celofane, rouge, sem ser verbo)