19 de maio de 2010

À mão de ler (23)

«Era hora do jantar na pequena cidade. Nas divisões quadradas que serviam de habitação e de loja, com os cães na soleira, viam-se as famílias a sentar-se à mesa e os candeeiros a petróleo projectarem grandes sombras nas paredes salpicadas de fotografias, calendários, imagens sacras. Nas ruas não havia trânsito e no ar pairava aquele bulício sereno do anoitecer, feito de vozes isoladas e de chamamentos longínquos.
Agora todos procedem desta maneira. Até os chineses! Também eles, que antes se orgulhavam de serem herdeiros de uma "cultura com quatro mil anos", o que os convencia de serem espiritualmente superiores a todos, cederam, e, sintomaticamente, já começam a sentir-se pouco à-vontade por ainda comerem com pauzinhos.
Até já se consideram mais apresentáveis com um garfo e uma faca na mão; parece-lhes mesmo que são mais elegantes se vestirem casaco e gravata. A gravata! Originalmente uma invenção dos mongóis para arrastarem os prisioneiros, amarrados ao arção da sela... exactamente, com uma corda ao pescoço.»
[Tiziano Terzani, Disse-me Um Adivinho; trad. Margarida Periquito, Tinta-da-China, Novembro de 2009]

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