21 de maio de 2010

Nem sempre a lápis (30)

Um dia destes tenho de ir à velha Barata na avenida de Roma, aproveitando para contrariar a semana. Só me chateia o trajecto de feira popular da linha de metro, embora me deixe quase à porta das tartes de maçã do Frutalmeidas, como se viesse do bairro de São Miguel – do quarto com vista para as favas, em casa da senhora dona Todicas (Fruta da Época) – e preparasse o físico para ir curtir um maningue naice com os meus e as minhas, então à porta do Tique-Taque, do Roma, do Pote, da Munique. Durante essa moca, há muito ressacada, frequentava pouco a Barata; era mais interessante atravessar a avenida para revolver as estantes da Sinfonia, antes ou depois de aviar um pires de pipis na Alga, afogados com uma caneca de cerveja preta; marca corrente, como a água de casa. Quis o acaso que, enquanto fazia tempo para a apresentação de Santa Maria do Circo, os meus olhos se encontrassem com uma banca cheia de Miguel Torga, com os cadernos por abrir, a euro e meio cada Diário; dei por mim em Coimbra, a ver a montra da editora homónima. Como é sempre em frente até ao largo da Portagem, lá voltei a ser assaltado pela incredulidade infantil por o médico que operou a minha prima, um dia viesse a recorrer a outro nome para escrever um poema sobre uma videira – de que não me recordo e tenho tão presente como se a lesse na Selecta Literária – e para comparar o mar do Sul com o Mediterrâneo, chamando-lhes um charco; a ambos os dois. Em qual das dezenas de Diários que o doutor Adolfo Rocha ditou ao escritor Miguel Torga, é coisa para verificar; e depressa, antes que a gerência se aborreça por ter aquela área eternamente ocupada por um autor com os cadernos por abrir.

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