23 de junho de 2010

Nem sempre a lápis (46)

À medida que vou esgotando as anotações escritas na casa de ninguém, é curioso verificar como cheguei a Asilah num pulo e acabei por não fazer nada do que parecia ter planeado; não tenho jeito para programas. Não fosse uma foto desmentir-me, diria que me sentei no terraço em frente do quarto para fumar e pintar de cabeça e sentir a Torre de Menagem nas minhas costas e ouvir as rolas na açoteia ao lado e ver o movimento na rua paralela à muralha, até lá acima, até onde a vista alcança e o coração continua; só ele conhecia. Não abri um livro; Terzani serviu de altura para o portátil respirar enquanto descarregava fotos ou ouvia música; abri o bloco lá fora para desentorpecer a lapiseira e guardar bilhetes de autocarro para outras leituras; não parei em Tânger no regresso, fui da gare para o porto de petit-taxi; a Librairie des Colones estava fechada para obras e inventariação de fundos e em Sevilha, era domingo. Passei o tempo a passear pela Medina, sentado nas esplanadas dos café au kif, numas a ver e noutras a jantar; o dente recusou-se a deixar atirá-lo ao mar do terraço da antiga mesquita; comprei um chapéu de palha do Rif por um euro e meio, ao teu cuidado; uns tinhosos de uns putos foram por trás de mim e atiram-me a garrafa de água ao chão, e tu riste-te; deixei pendurado o velhote que foi a casa cortar kif «do dele», por uns míseros dois euros, sentado a fumar sebsis oferecidos pelo impaciente comunicativo Abdo, no passeio acima do mercado. Na última noite, deu-me a fraqueza por volta da uma da manhã e subi a rua com mais de metade das esplanadas cheias de filósofos; entrei num local aberto e tirei uma mesa de cima de outras para beber um café com leite, a ver um combate de boxe parecido com um concerto, com o que deve ser um rock in rio; agradeci com um sorriso um sebsi discreto que já não aceitei, oferecido por uns putos que me fizeram lembrar Terzani: «Adoro estes personagens. Um bocado exibicionistas, um bocado velhacos e gabarolas, mas ao fim e ao cabo também calorosos.» Desta vez trouxe comigo Bartleby & Companhia; aproxima-se a vez de copiar Dublinesca, de voltar a escrever a meias com Vila-Matas.

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