4 de agosto de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (29)


«- Na realidade, é um requiem pelo meu ofício e, sobretudo, por mim, que estou acabado – comenta Riba a Javier, enquanto dirige um olhar ansioso para Bev, como querendo indicar ao seu amigo que diz tudo isto porque ela lhe recorda que já é velho e é mortal e que, no fim de contas, já tem quase sessenta anos e conquistá-la não será a tarefa que, noutros tempos, lhe poderia ser mais fácil.
Estão de pé numa extremidade da praça, junto da primeira fila do cada vez mais numeroso público sentado.
- Não, já não precisas de me convencer de nada – diz Javier. – E ainda menos quando já chegámos ao sexto capítulo e me sinto impregnado da tua ideia do requiem. Até pensei escrever a história de alguém que se dispõe a celebrar funerais pelo mundo todo, funerais sob a forma de obras de arte. O que te parece? É alguém que procura ir aprendendo a despedir-se de tudo. Não lhe basta despedir-se de Joyce e da era da imprensa e começa a converter-se num coleccionador de funerais.
- Poderia levar gravado no chapéu este lema: "Temos de nos dedicar a fundo aos funerais." Foi o que Nietzky disse, há pouco.
Javier não pôde ter ouvido bem o final destas palavras, porque irrompe uma voz desnecessariamente atroadora no palco.
- Mas, qual o espanto? Não creio que seja necessário tanta gritaria para a visita da terrível Hades – comenta Javier.»
[Enrique Vila-Matas, Dublinesca; em tradução para a Teorema;
ilustração: David Hockney]

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