22 de agosto de 2010

Nem sempre a lápis (73)

«O interior da nossa casa tem sempre um antigo e obsessivo paralelismo com o do nosso cérebro.» (Vila-Matas); assim, não me foi difícil, vi-o com previsível naturalidade no espaço do quarto seis do Pátio de La Luna. Conhecia-lhe a existência desde o determinante Verão de 2006, quando perguntei em até Jajouka, se não haveria «um quarto com varanda – é pedir muito, uma açoteia para estender uma esteira e bater uma sesta? – com vista para a praça de Asilah, com o mar à minha direita e o abismo da multidão a caminho do mercado, que vislumbro ao cimo da pequena rua que ladeia a muralha da Medina, por entre a balsâmica fumarada dos fogareiros a animar o lusco-fusco.»; acabava de vê-lo. Segundo um dos incompreensíveis recepcionistas, parece que já existia em 2001, quando passei uma semana no hotel Al-Khaïma, a escrever parte do título homónimo ao som das rolas e do mar de Setembro; devo ter uma foto sentado na esplanada ao lado da porta do La Luna, tirada no primeiro dia de 2009, feitas as despedidas de Tânger; sem café Hafa nem o de Paris. Mas não entrei, deixei-me ficar sentado à espera de nada até apanhar o autocarro; vi-a depois, tinha uma porta. Precisei do válido argumento da caducidade do passaporte para, intimamente, alijar um pouco a carga com que nos vamos sobrecarregando: deslumbramentos e trambolhões, sonhos e pesadelos, entrega e traição, passado e presente. Aberta a porta do quarto seis como um hábito – e de hábito me vestia –, vi as colunas de tijolo burro da casa do forno dos meus pais, passado de que me deserdei no apartamento número doze, em Porto Covo; vi as paredes e o telheiro do atelier do Monte Alto, feitas como as tinha visto e não as que o passado recente levantou, onde o interior da minha cabeça foi deixando de caber.
Sobrepostas, finalmente concluídas.

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