23 de setembro de 2010

À mão de ler (87)

«Há algum tempo que a estrada se encontrava deserta, branca e ainda escaldante, embora o Sol já pintasse o céu de vermelho. Caminhando lentamente pela poeira ele parava de tempos a tempos e oscilava, apoiado num só pé, como um pássaro desajeitado a tentar equilibrar-se, enquanto examinava o chumaço de adesivo que lhe saía dum buraco na sola. Virou-se outra vez. Uma pequena massa informe emergira no extremo da tira de cimento chamejante e avançava agora com esforço na sua direcção. Avolumou-se a pouco e pouco, oscilante e grotesca como uma imagem vista através dum vidro cheio de defeitos, adquiriu por momentos a forma e a solidez duma carrinha de caixa aberta, passou num jacto e desvaneceu-se na mesma silhueta líquida em que se tinha aproximado.
Num gesto vago, ele agitou o polegar estendido para a viatura que se afastava. Pequenos remoinhos de poeira saltaram da lomba da estrada e vieram pousar-lhe nas bainhas das calças.»
[Cormac McCarthy, O Guarda do Pomar; trad. Paulo Faria, Relógio d'Água, 1996;

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