14 de novembro de 2010

À mão de ler (108)


«Como uma livraria extremamente luxuosa e bem sortida me dera agradavelmente nas vistas e senti o premente desejo de lhe fazer uma curta e rápida visita, não hesitei em entrar, com ostensivas boas maneiras, pelo que, aliás, me veio a ideia de que talvez ficasse mais verosímil no papel de inspector, de rigoroso revisor de livros, coleccionador de novidades ou perito experiente, do que no papel de abastado comprador e bom cliente, estimado e bem recebido. Com voz delicada e extremamente prudente e usando compreensivamente as expressões mais seleccionadas, pedi informações sobre as novidades e as coisas de melhor qualidade no domínio das belas-letras. “É possível aprender a conhecer”, perguntei timidamente, “e simultaneamente apreciar o que é mais autêntico e mais sério e, ao mesmo tempo, evidentemente, o mais lido e mais rapidamente reconhecido e comprado? Ficar-lhe-ia em alto grau devedor da mais invulgar gratidão se tivesse a enorme gentileza de me indicar esse livro, que certamente o senhor poderá conhecer melhor que ninguém, que tem encontrado e continua firmemente a encontrar o mais elevado apreço tanto junto do público leitor como junto da crítica mais temida e, por isso mesmo, sem dúvida, a mais cercada de lisonja. Não pode imaginar até que ponto me interessa saber agora mesmo qual é de todos estes livros, ou produtos da pena, aqui empilhados e expostos, o livro favorito mencionado, cuja visão me tornará, com toda a probabilidade, assim o espero vivamente, num cliente decidido, feliz e entusiasmado. O desejo de ver o escritor preferido do mundo culto e, repito, provavelmente também comprar a sua admirada e impetuosamente badalada obra-prima agita-me e percorre todos os meus membros. Posso pedir-lhe com toda a gentileza que me mostre esse livro cheio de sucesso para que a ansiedade que se apoderou de todo o meu ser encontre satisfação e deixe de me perturbar?” – “Com todo o gosto”, respondeu o livreiro.»
[Robert Walser, O Passeio e Outras Histórias; trad. Fernanda Gil Costa, Granito – Editores e Livreiros, Porto Janeiro 2001;

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