12 de fevereiro de 2011

«É bom trabalhar nas Obras» (71)

«Quinze minutos antes do encontro, aluguei uma cadeira de lona na esplanada frente à praia e pus-me a ler o Compendio de filosofía, um livro da Nena, para que a Ana Luisa me visse com ele. Não entendi uma única palavra. Estava inquieto e não conseguia concentrar-me. Deram as doze e nada. As doze e meia e também nada. Pensei que não ia aparecer. Já me tinha preparado para ir embora, quando a Ana Luisa apareceu.
- Desculpa a demora: não conseguia escapar-me.
- De quem?
- Da minha mamã. Não me deixa sair.
- Recebeste a minha carta?
- Qual carta?
- O meu recado, quero dizer.
- Claro, respondi-te: por isso estamos aqui, não?
- Tens razão. Sou mesmo bruto… E o que achas?
- De quê?
- Do que te dizia.
- Ah, pois não sei. Dá-me tempo.
- Já tiveste muito tempo: decide-te.
- Como queres que me decida se não te conheço?
- Ana Luisa, eu também não te conheço e é como vês…
- Como vejo o quê?
- … Estou apaixonado por ti.
Corei. Estava seguro de que Ana Luisa se ia rir. Mas em vez de me responder pegou-me na mão como se não estivéssemos rodeados de gente, em plena esplanada entre o salão de baile e a praia. Não quis que a convidasse para tomar nada. Fomos caminhando pelo paredão à beira-mar até à bifurcação de Reforma. Sentia-me feliz, embora com medo que alguém lá de casa nos apanhasse. Porque é suposto que eu ainda não tenho idade para andar com mulheres; tentá-lo, é um delito que dá cabo dos estudos e do desenvolvimento normal e deve ser castigado com a pena máxima. Não sei, o prazer de caminhar com a mão dela na minha mão, perto de Ana Luisa, que é tão formosa com a sua cara tão bela e o seu corpo perfeito, valia todos os riscos. Por fim, Ana Luisa falou:
- Bom, devo confessar-te que também gosto de ti.
Fiquei em silêncio. Detive-me a olhá-la.
- Mas há um problema.
- Qual?
- És uns dois ou três anos mais novo do que eu. Vou fazer dezasseis.
- E que importância tem?
- A sério?
- Claro que não tem importância.
Aproximou-se de mim. Abracei-a. Beijámo-nos. Gostava de escrever tudo o que se passou depois. Mas as minhas irmãs acabam de chegar. Era uma desgraça se lessem este bloco. Vou guardá-lo no mais fundo do roupeiro. Só anoto que me senti feliz e que correu tudo mil vezes melhor do que eu esperava.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;

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