12 de junho de 2011

«É bom trabalhar nas Obras» (89)

«Chegámos, por fim, à porta do hotel e parecia que ia, afortunadamente, perdê-lo de vista quando conseguiu martirizar-me empregando uma infinidade de tempo a preencher um talão justificativo da viagem e a seguir pedir-me uma assinatura num papel e uma assinatura noutro. Era como se não estivesse nada seguro de que Villa Fondebrider lhe fosse pagar, e na realidade era com se não estivesse seguro de nada, nem sequer de ser um taxista em Lyon.
Quando parecia que a infinita história do talão e das assinaturas já tinha terminado e que, com sorte, não me ia dar nem um seco "adeus" de despedida, o taxista disse-me, ou melhor dizendo, perguntou-me num fio de voz, de novo supostamente ingénuo, inocente:
- Que sentido tinha tudo aquilo que o senhor me disse há pouco? Refiro-me àquilo da invenção essencial dos homens e outras frases imponentes…
Estávamos ali os dois de pé, junto à porta do Hôtel des Artistes. Ao longo dos primeiros segundos, senti-me incapaz de dar o menor crédito ao que acabava de ouvir. Depois, reagi.
- Com efeito, nas minhas palavras – disse-lhe, procurando não perder a calma – falou uma voz que lhe disse que a literatura é uma invenção essencial da humanidade. Essa mesma voz disse-lhe também que nada do que lhe dizia fazia sentido, mas agora faça o favor de prestar bem atenção ao que lhe vou dizer: nessa mesma voz havia, pelo menos um eco desse sentido que a voz negava.
- O senhor é complicado – disse, finalmente.
E a seguir recuou dois passos, como que aturdido. Meteu-se no carro, pô-lo a trabalhar e, esticando a cabeça pela janela, corroborou a sua apreciação.
- Muito complicado, o senhor. Se fosse a si, procurava ser taxista. Vá por mim, é-se muito mais feliz sabendo menos. Ou não sabendo nada.
Quem não sabia nada era eu. Nada, por exemplo, do que me esperava naquele hotel.»

[Enrique Vila-Matas, Perder Teorias; em tradução para a Teodolito;
moço de Dublin]

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