24 de janeiro de 2012

Papiro do dia (177)

«O Director repara na evidência: dos dedos do outro nascem minúsculas flores de carne: verrugas.
O Mensageiro, sentado na cadeira desconfortável, mãos entrelaçadas, fita o aquário. O Director pronuncia um nome. O Mensageiro encara-o. O Director formula quatro perguntas sobre o ataque dos lobos na Floresta mantendo o tom amigo. Açucaradas, as palavras deslizam como rebuçados. O Mensageiro, diabético, recusa-se a responder, quatro vezes. Sempre com um sorriso rachado a exibir gengivas. Então, o Director repete as perguntas. E o Mensageiro repete o silêncio, agora áspero.
O Director contrai maxilares. Cerra dentes contra dentes e levanta-se. A cabeça do Mensageiro acompanha-o. Repara no movimento que as orelhas sanguíneas e deslocadas da nuca do Director fazem a cada mastigação. Repara ainda na sombra pequenina que se projecta contra a parede verde e franze o cenho.
Pensa:
A sombra do Director não concorda com a envergadura.»
[Sandro William Junqueira, Um piano para cavalos altos; Caminho, Dezembro 2011;
envergadura

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