12 de setembro de 2012

Nem sempre a lápis (316)

De manhã fora regar e ao fim do dia, apoiado no cabo da enxada, olhou para a terra cavada e considerou, ofegante: «assim ficou mais bonito». Do lado oposto da rua o vizinho a tudo respondia «pois», sentado na cadeira de rodas. Um andar acima, assistia ao diálogo dos dois lavradores com as pernas doridas; há muito que não andava a pé.
No dia seguinte, voltou ao bairro e não o reconheceu, alheado da violência urbana. Chegou a casa e foi levar o lixo. Depois caminhou pelos trilhos cobiçados que via ao volante e fez o percurso dos suicidas sem abrir cancelas, sem uma corda para pendurar numa figueira, sem ter a certeza de ter voltado para casa.
Podia vê-la como um presídio, cela de eremita, moinho e torre de filósofo, camarata de manicómio. E podia senti-la simplesmente como era: uma casa com as portas abertas para afogar o olhar – saíra sem dar pelos cães.

Sem comentários: