16 de outubro de 2012

Papiro do dia (268)

«Estou a morar junto ao porto num pequeno quarto húmido azul e branco que cheira ligeiramente a gás do fogão. As únicas pessoas que vejo são um casal de idosos que moram encostados à povoação. Às vezes, têm visitantes da mesma idade, e então convidam-me para ir jantar ou tomar chá com eles.
Trabalho de manhã e ao início da tarde, e depois saio para ir buscar o correio. Quando vou às compras, compro, por exemplo, um apara-lápis, uma pasta, um pouco de papel e um postal. De outras vezes, poderei comprar fruta, biscoitos e um jornal.
Aproxima-se uma tempestade, e as gaivotas gritam pelas ruas. Vieram para terra fugir à tempestade. Há um forte cheiro a peixe no ar.
Para ir do meu quarto à praia, desço a estreita calçada entre dois prédios de madeira, o meu e o do motel ao lado. Os dois edifícios inclinam-se um para o outro acima de mim quando passo pelas janelas dos apartamentos do motel, à altura da cintura; a certas horas, as mulheres estão a trabalhar nas cozinhas, e há farrapos de conversas nas salas de estar. Essas pessoas parece que falam mais alto e, ao mesmo tempo, estão mais paradas porque estão de férias e ociosas.
Os diferentes grupos de pessoas aqui: os residentes permanentes, alguns dos quais são artistas ou, outros, lojistas; os turistas, que vêm aos casais e às famílias, e são geralmente grandes, jovens, saudáveis, bronzeados e educados, dos quais turistas, a maioria são americanos, mas alguns são quebequenses, e destes, alguns não falam inglês; pescadores portugueses, mas estes são mais difíceis de descobrir; alguns portugueses que não são pescadores, mas cujos pais ou avós eram pescadores; alguns pescadores que não são portugueses.»
[Lydia Davis, Contos Completos; trad. Miguel Serras Pereira e Manuel Resende, Relógio d’Água, Julho 2012]

2 comentários:

ana b. disse...

Também estou a ler este livro. É fantástico!

fallorca disse...

E... :)