5 de janeiro de 2013

Nem sempre a lápis (341)

até Jajouka
(2006)

1. Não vou a Marrocos – não vou outra vez até Marrocos – aliciado pelo ritual de passar o tempo a fazer pingue-pongue entre as esplanadas dos cafés e o quarto do hotel. Há muito que me cansei de fazer de barata-tonta, e ainda mais tonta por ter alimentado durante um número imperdoável de anos e uns quantos títulos, a mania de me sentir impelido a comunicar, digamos, o que acabava de descobrir sentado na esplanada de um café com o chá irremediavelmente frio e amargo. Não, desta vez vou unicamente decidido a encontrar a aldeia de Jajouka e, só depois, irei para Asilah ou Tânger com a vaga impressão de ter cumprido uma metáfora; uma fantasia.
(...) Apercebo-me agora de que esta sub-reptícia incompatibilidade com as esplanadas já se manifestou na última vez que fui a Tânger. Sorrateiramente, fui trocando o colar de cadeiras do Café de Paris pelas janelas do Tingis, no Petit Socco, onde o trânsito se reduz às mobilettes e petits-táxis que conseguem intrometer-se pelo labirinto das ruelas, para continuarem a desembocar numa espécie de pátio colectivo. Por outro lado, insistir em escrever sobre os espaços, os lugares, as pessoas, escrever sobre o que gostamos, creio ser uma forma de nos esgotarmos; reciprocamente, inevitavelmente.
Quem se dá ao trabalho de considerar e planificar meticulosamente uma possível ida até Jajouka, é natural que não dispense a máquina fotográfica e também não vejo inconveniente em juntar o velho portátil às duas mudas de roupa e meia-dúzia de livros. É sempre esta – voltará a ser esta – a frugal bagagem que transporto numa mochila maneirinha, para poder movimentar-me entre o casbah e as pensões e os hotéis onde pernoito. (...) continuo a desconhecer melhor maneira de entrar em Marrocos sem ser pelo porto de Tânger; ao fim da manhã e ao fim da tarde, sobretudo no Outono. Esta hipótese obriga-me a passar furtivamente por Asilah, onde conto ficar no regresso de Jajouka.
(...) entretenho os dias a abrir e a percorrer mapas (...) a comparar quilómetros e a decifrar as (para mim) incompreensíveis legendas das estradas, anónimas e sem trânsito, com Ricardo Piglia a segredar-me por cima do ombro: «A leitura, dizia Ezra Pound, é uma arte da réplica. Às vezes, os leitores vivem num mundo paralelo, e às vezes, imaginam que esse mundo entra na realidade. […] Um mapa é uma síntese da realidade, um espelho que nos guia na confusão da vida. É preciso saber ler nas entrelinhas para encontrar o caminho.»

1 comentário:

Anónimo disse...

Li recentemente um livro onde esse café de Paris é várias vezes referido. Coincidências.

Foi n' "O escrivão público", Tahar Ben Jelloun e que não recomendo, achei-o muito desequilibrado, tem alguns bons momentos, mas o resto é demasiado lírico e naif para o meu gosto.