20 de janeiro de 2013

Papiro do dia (284)

«“Mais um dia perdido”, pensou Adolfo ao ouvir tocar a campainha estridente e aguda para a assinatura de Sua Excelência. E lembrou-se do assobio do vento na avenida, entre as árvores despidas, do ruído da água na retrete, do campainhar argentino e monótono dos eléctricos, como de uma ininterrupta chamada de emoções sempre queridas ao seu ouvido. Ao toque melancólico da campainha o salãozinho do cavaleiro conselheiro ressoou de lamentos. Era tempo de abandoná-lo também, talvez para sempre; algo tinha acontecido que confundia qualquer ideia de retorno e qualquer pensamento de tentativa de conquista da dona de um livro esquecido. E Adolfo saiu para o corredor sob a luz metálica e transoceânica das lâmpadas eléctricas.
A campainha ressoava, sem conseguir cansar-se, definindo-se por momentos em evocações gigantescas, como o apitar de uma sereia. Dois ou três contínuos, vagarosos, gritavam aqui e ali, de qualquer ponto particularmente estratégico, um som ininteligível e gutural que só os empregados podiam entender: “Assinatura, assinatura.” E parecia que gritavam o término de uma viagem. »
[Elio Vittorini, Pequenos Burgueses; trad. Maria Manuela Gonçalves, Os Livros das Três Abelhas, Julho 1962;
gare]

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