5 de março de 2013

Nem sempre a lápis (352)

até Jajouka
(2006)
 
12. Acabei a tradução. (...) Andamos todos, todos sem excepção, desde que o primeiro homem escreveu a primeira palavra que deu origem à primeira frase escrita, a escrever obsessivamente o mesmo livro. O livro impossível, inalcançável, que se nos escapa e perseguimos com uma delirante e enfadonha sucessão de títulos, até ao abismo do silêncio que a todos nos espera e entendo como a nossa única e possível obra-prima. E, como se esta dissimulada frustração não bastasse, nunca ninguém escreve o texto que pretendia. Por mais que se tente, por mais que se persiga e tente iludir as partidas que nos prega logo de início, não passamos de um mero instrumento que transcreve um outro texto que se impõe e acaba por adquirir uma autonomia a que somos completamente alheios. Esse texto poderá satisfazer-nos (parcialmente) ou não, assiste-nos o direito, a possibilidade e também o bom senso de o eliminar, mas nunca lhe poderemos chamar nosso. Nunca poderemos dizer, sou o autor deste texto.
A literatura (parece-me desnecessário recordá-lo) tresanda, está cheia de cadáveres, de suicidas, de loucos, que tiveram a infelicidade de a levar literalmente à letra, sem que uns e outros, a literatura e as suas vítimas, nada ganhassem ou empobrecessem com isso. Salvo os que caíram nas malhas das poderosas e sempre renováveis, sempre adaptáveis às inventadas necessidades dos sismógrafos do marketing.
Fico-me pelo Herberto: «A cultura fica longe, na demência. É tudo quanto tenho para dizer».

1 comentário:

Sónia G. Barbosa disse...

Gostava mesmo muito que mais se recusassem a escrever por escrever, porque às vezes, quando resolvo ler as primeiras páginas de alguns livros que preenchem os lugares de destaque de algumas livrarias, dá-me uma aflição. Mesmo!
E agora vou ficar a pensar um bocadinho nos "sismógrafos do marketing".