19 de dezembro de 2013

Nem sempre a lápis (463)

Memória descritiva
Maçã
Junto ao tanque da casa do meu avô, para onde os meus pais nos mudaram, uma macieira convidava-me a descobrir o novo espaço, com maçãs ácidas.
Subia para cima da pedra de lavar roupa, e deitava-as abaixo com uma vara.
As maçãs esmagavam-se no chão, ou ficavam a boiar na água fresca do tanque.
Nenhuma cobra se enleava no tronco, nem nenhuma me deu a alegria de me cair na cabeça, para que as recordasse com outra dimensão.
Creio que a evitavam, acautelando-me a memória.
Depois seguiram-se as investidas pelos pomares alheios, as guerras à maçanzada, no Verão, separados pelo rio que nos demolhava o crescimento.
Uns anos mais tarde, descobri outras maçãs.
Cortadas em quartos, secavam ao sol nos telhados velhos, à altura do meu apetite partilhado com as abelhas, que lhes sugavam o açúcar destilado pelo sol morno de Setembro.
Separavamo-nos no fim das férias:
elas eram guardadas em grossos frascos de vidro, que me esperavam pelo Natal, e eu regressava ileso à casa, onde já não era tentado pelas maçãs, nas árvores moribundas.

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